No corpo do Cristo Pascal está o que somos e devemos ser!

Dos “Livros a Monimo”, de São Fulgêncio, bispo de Ruspe~(Séc.VI)

A edificação espiritual do corpo de Cristo realiza-se na caridade, segundo as palavras de São Pedro: “Como pedras vivas, formai um edifício espiritual, um sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo” (1Pd 2,5). Esta edificação espiritual atinge sua maior eficácia no momento em que o próprio Corpo do Senhor, que é a Igreja, no sacramento do pão e do cálice, oferece o corpo e o sangue de Cristo: o cálice que bebemos é a comunhão com o sangue de Cristo; e o pão que partimos, é a comunhão com o corpo de Cristo. Porque há um só pão, nós todos participamos desse único pão (cf. 1Cor 10,16-17)

Observação minha: A Igreja é o corpo de Cristo: entre ela e sua Cabeça há uma união viva, real, dinâmica, pois o Espírito Santo que enche o Cristo inteiramente desde a sua ressurreição, é dado, é “escorrido” da Cabeça até o corpo continuamente. Assim, a Igreja-corpo vive todo o tempo do Espírito do Cristo-Cabeça. Quando São Fulgêncio fala na Igreja como edificação “espiritual” e, com São Pedro, em edifício “espiritual”, devemos compreender aqui “espirituado”, isto é Igreja que é corpo de Cristo todo espirituado, Igreja que é templo de Deus e corpo de Cristo porque totalmente cheio do seu Espírito! E recorde, meu Leitor: o Espírito é o próprio Amor de Deus, a Caridade de Deus, como disse o Apóstolo: “O amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” [Rm 5,5]. Ora, quando é maximamente que a Santa Igreja se torna corpo de Cristo? Quando maximamente é unida como corpo à sua Cabeça, como esposa ao seu Esposo? A resposta é dada aqui por São Fulgêncio – em uníssono com toda a Tradição: é na Eucaristia! Comungando com o corpo do Senhor morto e ressuscitado pleno do Espírito, no sacramento do pão e do vinho nós nos tornamos Aquele que comungamos: tornamo-nos corpo de Cristo! Veja o raciocínio: comungamos o corpo eucarístico do Senhor para nele e por ele, recebendo no seu corpo e sangue, sermos transfigurados pelo Espírito de amor que impregna totalmente aquele pão que não é mais pão e aquele vinho que não é mais vinho, de modo que comungando com o Senhor no seu corpo e sangue cheio de Espírito Santo nós sejamos cada vez mais membros do seu corpo que é a Igreja e templos do seu Espírito de amor).

Por isso pedimos que a mesma graça que faz da Igreja o Corpo de Cristo, faça com que todos os membros, unidos pelos laços da caridade, perseverem firmemente na unidade do corpo.E com razão suplicamos que isto se realize em nós pelo dom daquele Espírito que é ao mesmo tempo o Espírito do Pai e do Filho; porque sendo a Santíssima Trindade, na unidade de natureza, igualdade e amor, o único e verdadeiro Deus, é unânime a ação das três Pessoas divinas na obra santificadora daqueles que adota como filhos .

Observação minha: É o Espírito Santo que o Pai deu ao Filho em plenitude na ressurreição que nos cristifica, quem nos dá a própria vida do Cristo morto e ressuscitado, os sentimentos de Cristo e nos coloca na mesma relação de Filho que o Cristo tem com o Pai. Assim, recebendo o mesmo Espírito de Cristo em cada sacramento, vamos sendo cristificados, de modo que através de Cristo e num só Espírito podemos chamar a Deus de Pai e, de verdade, somos seus filhos no Filho Jesus: “É por ele [Cristo] que todos nós temos acesso ao Pai, num só Espírito’ [Ef 2,18]. Mais ainda: recebendo o Espírito, dado em cada sacramento com um efeito diverso, temos em nós o Pai e o Filho por concomitância, pois o Espírito é sempre Espírito de amor do Pai e do Filho, de modo que onde está o Amor, estão o Amante e o Amado. Isto Jesus disse claramente: “Se alguém me ama [= tem o meu Espírito de Amor] guardará a minha palavra; meu Pai o amará, e nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada” [Jo 14,23]).

Eis por que está escrito: O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (Rm 5,5). O Espírito Santo, que é unidade do Pai e do Filho, realiza agora naqueles a quem concedeu a graça da adoção divina, transformação idêntica à que realizou naqueles que receberam o mesmo Espírito, conforme lemos no livro dos Atos dos Apóstolos: A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma (cf. At 4,32). Quem fez dessa multidão dos que creram em Deus um só coração e uma só alma, foi aquele Espírito que é unidade do Pai e do Filho e com o Pai e o Filho é um só Deus.

Observação minha: Eis! O Espírito recebido em cada sacramento e de modo especial no corpo eucarístico de Cristo não somente nos une ao Salvador, mas também aos irmãos, de modo que nos tornamos um só coração e uma só alma. É o que São Paulo afirma: “O pão que partimos não é comunhão com o corpo de Cristo? Porque há um só pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, pois todos participamos desse único pão” [1Cor 10,17]).

Por isso, o Apóstolo exorta a conservarmos com toda a solicitude esta unidade do espírito no vínculo da paz, quando diz aos efésios: “Eu, prisioneiro no Senhor, vos exorto a caminhardes de acordo com a vocação que recebestes: com toda a humildade e mansidão, suportando-vos uns aos outros com paciência, no amor. Aplicai-vos a guardar a unidade do espírito pelo vínculo da paz. Há um só Corpo e um só Espírito” (Ef 3,1-4). Deus, com efeito, enquanto conserva na Igreja o amor que ela recebeu pelo Espírito Santo, transforma-a num sacrifício agradável a seus olhos. De modo, que, recebendo continuamente esse dom da caridade espiritual, a Igreja possa sempre se apresentar como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus.

Observação minha: Observe como São Fulgêncio passa do sacrifício litúrgico ao sacrifício existencial do cristão: oferecendo o sacrifício eucarístico de Cristo e com ele comungando, nós mesmos devemos nos tornar na vida concreta um sacrifício agradável ao Pai através do Cristo no fogo de amor do único Espírito Santo. Portanto, a missa do altar se transforma em missa da vida [cf. Rm 12,1s]).

Seminarista José de Assis (membro consagrado da Crux Sacra)